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Wednesday, December 13, 2023

Na era da desigualdade, Fluminense pode ter a última chance sul-americana num Mundial - Globo.com

É, de longe, a maior patologia do futebol atual a disparidade abismal entre a elite europeia e o restante do planeta, transformado numa enorme periferia do mundo da bola. É fato que a concentração de astros num punhado de ligas do Velho Continente nos faz ver nossos clubes viajarem como desafiantes, formulando hipóteses sobre como derrubar o gigante e, quase sempre, escorando-se na imprevisibilidade de uma sonhada final em jogo único. Se, ano após ano, a sensação é de que as chances sul-americanas são reduzidas, algo reforçado pelos 10 títulos seguidos dos europeus, o fato é que há algo que distingue o embarque do Fluminense para a Arábia Saudita das outras viagens recentes de sul-americanos para o Mundial de Clubes. A edição atual tem um certo ar de última chance.

Porque a tese de que finais em partida única são sujeitas às contingências de um esporte caótico como o futebol é justamente onde, repetidamente, os sul-americanos se apoiam para sustentar o direito de sonhar. No entanto, a partir de 2025, um campeonato com 32 clubes e jogado a cada quatro anos tomará o lugar do formato atual, que se despede no dia 22 de dezembro. Haverá 12 europeus na disputa, ou seja, quase todos os clubes mais ricos do planeta, capazes de concentrar parcela significativa de todos os jogadores que disputam uma Copa do Mundo de seleções. O discurso do “ganhar por uma bola”, do “tudo é possível em 90 minutos”, cairá por terra. Se a façanha de bater os gigantes europeus em um jogo já tem parecido hercúlea, e na última década tem se revelado inacessível, talvez passe a ser preciso derrotá-los três ou quatro vezes num só campeonato.

Fluminense embarca para o Mundial de Clubes — Foto: André Durão

Fluminense embarca para o Mundial de Clubes — Foto: André Durão

É claro que a guinada tem a ver com os interesses econômicos. A Fifa passará a ter um torneio para chamar de seu em que poderá explorar o apelo global dos maiores times do planeta, aqueles que vemos semanalmente pela TV, com tantos jogadores formados do lado de cá do Atlântico, jogando as ligas de mais audiência global do mundo. E também é verdade que o atual formato do Mundial era um tanto disfuncional, para não dizer injusto.

É cada vez mais difícil sustentar que, após duas derrotas para times africanos, três para asiáticos e uma para um mexicano, os sul-americanos sigam com o privilégio de estrear na semifinal. Ocorre que o modelo com 32 clubes corre outro risco: se a atração gerada pelos jogos parece certa, a probabilidade de uma mini Champions League nos mata-matas é muito considerável. Provavelmente, a Fifa estudará formatos para tentar deixar europeus pelo caminho. O formato expandido não significa, no entanto, que uma competição intercontinental anual deixe de acontecer. A Fifa planeja um novo torneio, a partir de 2024, reunindo os campeões de cada continente. Haverá um novo modelo de disputa, mas certamente sem o status do Mundial quadrienal.

O que se conclui é que o problema não é o formato. Não foi aí que o futebol errou. Onde o jogo falhou gravemente foi no combate à desigualdade. A cada edição do Mundial de Clubes, o sonho de enfrentar o campeão europeu parece mais pautado por uma espécie de honra de dividir o mesmo campo com times que povoam o imaginário coletivo de plateias ao redor do mundo. E, cada vez menos, motivado pela sensação de que veremos um choque entre iguais. Não pode ser saudável que uma escola da importância da América do Sul, que ainda é o berço de parcela importante do que há de mais bonito do futebol mundial, seja transformada, aos olhos da audiência global, em coadjuvante num torneio como o Mundial de Clubes. É como receber um convite provisório para, durante uma jornada única e talvez irrepetível, frequentar a área vip do futebol.

Ano após ano, o Mundial de Clubes nos lembra que o jogo está doente. E isto terá acontecido em 2023 mesmo se Fluminense e Manchester City chegarem à final e o tricolor venceu. Porque não é uma questão de resultado, mas da percepção do papel de cada clube, de cada continente, no ecossistema do jogo.

Não se joga o Mundial para medir qual o melhor time do mundo. Afinal, os melhores estão, por consenso, invariavelmente na Europa. Joga-se para ver quem fica com a taça. Em um jogo, esta pode eventualmente tomar o caminho da América do Sul.

Se a final com o Manchester City ocorrer, o Fluminense tem mais do que talento para sonhar. Tem um jeito de jogar peculiar, pode propor questões que os europeus não estão habituados a lidar. O City deste dezembro não tem sido o time irresistível, dono do jogo sublime que levantou a tríplice coroa europeia em maio passado. O favoritismo estará do outro lado do Atlântico, mas a diferença, hoje, parece um pouco menor do que já foi. O direito de sonhar, por ora, a disparidade econômica ainda não nos roubou.

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