Aos 46 anos, Helio Castroneves deu um passo arrojadíssimo ao trocar o conforto da Penske pelo desconhecido completo da Meyer Shank, sempre pensando na Indy 500. Em um projeto que era para algumas temporadas, de crescimento gradual, o brasileiro pulou todas as etapas e fez história ao vencer a maior corrida do mundo pela quarta vez
A quarta vitória de Helio Castroneves na Indy 500 tem uma série de explicações e fatores envolvidos. Mas, provavelmente, nada resuma melhor o feito absolutamente histórico do brasileiro neste domingo (30) do que a recompensa para alguém que nunca, em momento algum, deixou de acreditar no próprio potencial. Mais do que isso, a coragem de um cara que, com mais de 45 anos, se arriscou pela primeira vez em duas décadas em um projeto totalmente desconhecido.
Ousadia e crença em si mesmo. Foi assim que Helio tomou uma das decisões mais corajosas de sua carreira, possivelmente a mais. Após 20 anos de um dos casamentos mais incríveis da história do automobilismo americano, o brasileiro se viu sem espaço na poderosa Penske e tinha uma escolha a fazer: se reposicionar no SportsCar, onde havia sido campeão em 2020, se aposentar ou tentar uma nova equipe e voltar à Indy. O paulista optou pelo terceiro caminho.
Depois de muitas conversas e de uma aproximação com a McLaren, Helio assinou com a Meyer Shank para o segundo carro de uma equipe que tinha não mais do que uma temporada completa na Indy, com Jack Harvey. Sem medo do que poderia vir pela frente, Castroneves assinou um acordo de seis corridas com um time que quase nem conhecia e que, no fim das contas, teria de estrear justamente na Indy 500, razão maior daquele acordo todo.
E foi assim, aos 46 anos, que o veterano iniciou sua nova aventura, sempre pensando na quarta vitória em Indianápolis, o tempo todo buscando o recorde de triunfos na maior corrida do mundo. Uma pré-temporada curta, alguns poucos testes e Helio teve lá seus dias para aprender o nome dos colegas de time e criar um entrosamento capaz de ser minimamente competitivo na prova que tanto almejava levar de novo.
Veio a classificação, a vaga no Fast Nine e uma sensação geral de que Castroneves já havia deixado sua marca na Indy 500. Afinal, na estreia por uma equipe pequena, depois de 20 anos de Penske, estava lá o brasileiro largando nas três primeiras filas. Suficiente, certo? Bom, talvez até fosse, mas Helio queria muito mais e sabia que poderia buscar.
Um discurso ultraotimista na semana que antecedeu a corrida deixava claro que Helio não pensava em top-10, em primeiro passo no projeto novo, em nada disso. Castroneves queria porque queria a quarta Indy 500 e tinha de ser em 2021. Foi com essa postura que o brasileiro batalhou incansavelmente desde as primeiras voltas.
A impressão o tempo todo foi de que Helio era mesmo alguém a ser considerado na disputa. O bom ritmo vinha combinado com pit-stops seguros e uma pilotagem perfeita, que sabia dosar agressividade com um lado muito cerebral, como quando deixava o rival direto Álex Palou liderar de forma estratégica ou quando segurava o catalão dançando nas retas, evitando a carona do vácuo para o piloto da Ganassi.
O final foi de tirar o fôlego e não havia como ser diferente. Não bastava vencer aos 46 anos, não era suficiente triunfar na estreia por uma equipe modesta, precisava ainda ser em uma senhora corrida. E foi assim, batendo Palou nas três voltas derradeiras, que Castroneves levou a Indy 500 para casa e botou o IMS abaixo, em um clima de final de Copa do Mundo.
A Indy 2021 das belas histórias ganhou uma que tocou profundamente qualquer fã de automobilismo. A temporada do renascimento de Romain Grosjean, da explosão da talentosíssima ‘Next Gen’ e de mais um episódio de Scott Dixon x Josef Newgarden, ganhou mais um capítulo, possivelmente o mais especial deles.
Castroneves, incrivelmente, muda de novo de patamar. Se já era uma lenda indiscutível, ganha status quase que de imortal. É só assim que dá para descrever alguém que vence quatro vezes a maior e mais difícil prova do esporte a motor. AJ Foyt, Al Unser Sr. e Rick Mears, o trio que parecia inalcançável, agora têm a companhia de Helio que, não tenha dúvida, vai em busca do quinto anel em 2022.
O projeto era começar uma nova história e mudar a Meyer Shank de nível em alguns anos, possivelmente como um titular em tempo integral em 2022. A realidade foi muito mais saborosa e a primeira vitória da vida do time veio na melhor hora possível, no palco mais desejado.
Usando uma expressão do pôquer, Castroneves foi para o ‘all-in’ ao assinar com a Meyer Shank e acabou quebrando a banca. O brasileiro poderia ter caído de rendimento já na reta final da carreira, a equipe podia falhar com o carro, errar nas estratégias, nos pit-stops, seria até normal que tudo isso acontecesse. Mas Helio sempre acreditou, sempre confiou na magia que acontecesse naquela que é, indiscutivelmente, a sua segunda casa.
Não sabendo que era impossível, Helio foi lá e fez. E fez pela quarta vez, fez para um dos recordes mais bonitos que o Brasil já teve no esporte. Oficialmente, Castroneves é o maior que Indianápolis já teve.
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